A Constituição brasileira conta com uma estrutura principiológica para defender os direitos fundamentais do indivíduo. Nessa estrutura encontra-se o princípio da proporcionalidade, que detém um papel de destaque na defesa desses direitos.
Em qualquer ordenamento que seja verdadeiramente democrático pode ser encontrado o princípio da proporcionalidade. Ele traduz a aplicação do bom senso ao avaliar uma ação, evitando excessos indevidos.
O que é princípio da proporcionalidade?
O princípio de proporcionalidade é um preceito do Direito usado para que a aplicação do ordenamento jurídico atenda determinada situação de forma proporcionalmente adequada.
Trata-se, na verdade, de uma forma de controle dessas normas, a fim de evitar condutas exageradas e incoerentes. Assim, o termo proporcionalidade vem da ideia de proporção, justa medida, equilíbrio.
Na prática, isso significa dizer se determinada norma é ou não inconstitucional, baseando-se no parâmetro de proporção.
Esse termo é mais utilizado pelo Direito alemão, que se assemelha muito ao que chamam de proibição do excesso, uma forma de freio ao legislador ao que possa ultrapassar a linha do razoável, produzindo inconstitucionalidade.
De tal forma, o preceito de proporcionalidade também é considerado sinônimo para princípio da razoabilidade, termo que vem do Direito estadunidense. Ou seja, uma norma que não é proporcional, ou razoável, torna-se inconstitucional.
Esse princípio assegura a coerência entre a aplicação e a finalidade do direito, fazendo sua utilização justa. Por isso, esse princípio pode ser chamado ainda de princípio da adequação dos meios aos fins.
Princípio da proporcionalidade na colisão de direitos
É importante mencionar que a proporcionalidade também é utilizada como forma de ponderação entre dois ou mais princípios constitucionais que apresentem conflito entre si, determinando, assim, qual deve prevalecer sobre o outro.
Exemplo disso é o seu uso para a resolução de conflitos entre o interesse público e os direitos individuais. Ou seja, quando direitos fundamentais concorrem entre si em determinada situação, havendo uma colisão de direitos.
Nessa ideia de colisão surge a lógica do princípio de proporcionalidade como forma de auxílio para a racionalização de escolhas entre quais direitos devem ter mais relevância em determinado caso.
Vale dizer que, aqui, não se deve excluir um direito em detrimento do outro, mas é preciso trabalhar com uma interpretação que permita a coexistência desses direitos, dando mais relevo a um ou a outro, mas nunca eliminando um ou outro.
Exemplificando o princípio de proporcionalidade
Para exemplificar o que acabamos de explicar, imaginemos um caso de direito administrativo.
Suponhamos que um agente de vigilância sanitária aplica a mais grave penalidade à um açougue onde encontrou uma única bandeja de carne que passou um dia do prazo de validade, determinando sua interdição por 30 dias.
Nesse caso, o proprietário do estabelecimento pode invocar o princípio de proporcionalidade, uma vez que a penalidade imposta não é proporcional à falta cometida.
Já no direito penal, por exemplo, esse princípio é dirigido ao legislador. Assim, é preciso manter a razoabilidade e a coerência com o bem jurídico protegido na definição da pena.
A pena para um crime contra o patrimônio não pode ser mais alta para aquela aplicada a um crime contra a vida, por exemplo.
Aplicando esse princípio à colisão de direitos, podemos utilizar como exemplo o direito à vida e à manifestação religiosa.
Se, a título de exemplo, um indivíduo em situação hospitalar negar qualquer intervenção física em sua saúde, em razão da sua religião, pode haver uma colisão de direitos.
Quais são os subprincípios da proporcionalidade?
Para entender como o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado é preciso conhecer, primeiro, os seus subprincípios.
Tratam-se de três critérios que devem ser analisados na aplicação do princípio de proporcionalidade. Eles existem a fim de atribuir objetividade ao princípio, evitando a possibilidade de decisões arbitrárias em razão de seu uso.
Esses três elementos são os seguintes.
- Adequação
- Necessidade
- Proporcionalidade estrita
Adequação
O primeiro subprincípio, o elemento de adequação, traz uma regra de compatibilidade entre o fim pretendido e os meios utilizados para que os objetivos sejam atendidos.
Aqui, o questionamento que se propõe é o seguinte: a medida que está sendo considerada é a mais adequada para promover o benefício que ela visou?
Necessidade
O segundo subprincípio, o elemento de necessidade, trata do pressuposto de que a medida usada deve ser a menos restritiva aos direitos individuais.
Aqui é preciso questionar a necessidade da medida usada.
Proporcionalidade estrita
Por fim, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito busca trazer um sistema de valoração, considerando que é preciso restringir um direito para se fazer valer de outro.
Nesse elemento impõe-se que é preciso que a medida adotada traga vantagens que superem as desvantagens. Ou seja, o ganho daquele direito que se visou proteger deve ser maior que a perda do direito que se visou restringir.
Como o princípio da proporcionalidade está relacionado à LGPD?
A LGPD, sigla para Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Nº 13.709), é a legislação brasileira para a privacidade e proteção de dados pessoais.
A lei foi publicada em 2018, tendo como base a lei de proteção de dados europeia, o GDPR, sigla em inglês para Regulamento Geral Sobre Proteção de Dados.
Seu texto determina diretrizes para a realização do tratamento de dados pessoais pelas organizações, sujeitando-as a sanções e multas em caso de descumprimento.
Do mesmo modo, a lei busca garantir direitos ao titular dos dados, isto é, o dono desses dados pessoais.
Consentimento x legítimo interesse
Além disso, a lei estipula dez bases legais que validam o tratamento de dados pessoais por uma empresa, sendo que nenhuma dessas bases vale mais do que as outras.
Um dos requisitos para que a empresa possa realizar o tratamento de dados pessoais, por exemplo, é o consentimento do titular.
Ou seja, é preciso que o titular dos dados consinta com o tratamento dos seus dados pessoais por determinada organização para que essa possa realizar tais atividades.
Outra hipótese em que o tratamento de dados pessoais poderá ser realizado é quando a atividade for justificada pelo legítimo interesse da empresa, conforme o Artigo 7 descreve:
“Quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais”
O legítimo interesse é definido pela lei como o tratamento de dados pessoais para finalidades legítimas, consideradas a partir de situações concretas, que incluem, mas não se limitam a:
“I – apoio e promoção de atividades do controlador; e
II – proteção, em relação ao titular, do exercício regular de seus direitos ou prestação de serviços que o beneficiem, respeitadas as legítimas expectativas dele e os direitos e liberdades fundamentais, nos termos desta Lei.”
Uma vez que o legítimo interesse é tratado como algo amplo e genérico, é difícil determinar quando esse interesse tem, de fato, legitimidade.
Isso faz com que a hipótese do legítimo interesse seja usada amplamente para atividade de tratamento de dados pelas empresas.
Nesse caso, é preciso aplicar o princípio da proporcionalidade LGPD para entender se o legítimo interesse deve se sobrepor ao consentimento.
Como aplicar o princípio da proporcionalidade ao legítimo interesse x consentimento?
Para justificar o legítimo interesse, é preciso realizar um teste de proporcionalidade.
A LGPD também determina princípios os quais as atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar. Dentre eles também encontram-se o princípio da necessidade e da adequação.
- Adequação: determina que o tratamento de dados realizado deve ser adequado às finalidades apresentadas ao titular;
- Necessidade: a coleta de dados deve se dar de maneira restritiva. Isto é, a empresa deve prezar apenas pelos dados pertinentes e proporcionais à sua necessidade para o atendimento das finalidades pretendidas, evitando a coleta excessiva.
O teste de proporcionalidade também devem incluir um exercício de balanceamento, que deve contar com um teste de expectativa e o exercício de mitigação de violação de direitos.
Ou seja, é preciso haver o equilíbrio entre os interesses do controlador dos dados pessoais com os do titular.
Isso quer dizer que se ele não espera de maneira razoável o tratamento dos dados pessoais e se essa atividade ferir algum direito fundamental, os interesses do titular irão se sobrepor ao interesse legítimo do controlador.
Por fim, é preciso garantir salvaguardas, como a comprovação de que os direitos do titular previstos em lei estão sendo resguardados pela empresa.
É preciso manter, por exemplo, uma segurança da informação eficaz, evitando os riscos de acesso não autorizados e violação de dados.
O controlador deve garantir, também, que o titular tenha livre acesso aos seus dados pessoais tratados, caso solicitado por ele. Em suma, seus direitos fundamentais devem ser garantidos, independentemente se o tratamento é justificado pela hipótese do legítimo interesse.
Os titulares dos dados não podem se opor ao tratamento somente no caso de haver o interesse prevalecente. Isso é, situações nas quais o interesse do controlador ou da sociedade vão prevalecer sobre os dos titulares em se opor ao tratamento.
Portanto, o princípio de proporcionalidade na LGPD deve levar em consideração a legitimidade, a necessidade, o balanceamento e salvaguardas.